"Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura." -
Charles Bukowski

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Da paixão


Disse o poeta que cartas de amor são ridículas. Mas apenas mencionou que também o são as poesias, os bilhetes, os sorrisos, os abraços, os emails e até mesmo os beijos, sim, nem eles escapam.

Tudo em que há verdadeiro amor é terrivelmente sem senso e ridículo. O que ama e cria será impreterivelmente vitima daquele que não ama e esta pleno em sua razão. Este olha a métrica, olha o vocabulário e “veja aí que porcaria é esta, ora vamos, que audácia, se considerar, poeta?! Escritorzinho de merda esse! E esses agarrados em público, meu Deus, que horror!”

Bem, meus caros, quero mais é que se fodam os críticos. Eu sinto essa necessidade, essencialmente ridícula, de escrever tão passionamente quanto amo. Assumo meu posto nesta guerra e me junto orgulhosamente as trincheiras de idiotas, sonhadores e ridículos e sigo, me deixando embriagar e ignorando os momentos de lucidez. Que se dane o dia, a casa a arrumar, o gato para alimentar, a salutar gramática oficial. O que tenho agora é a noite, o peito em chamas e uma vontade enorme de vomitar toda a poesia que me vai à alma.

Vítimas


O silêncio fala.
Comunica-se em farpas afiadas
Olhares gélidos
Lábios franzidos

O desprezo fala
Grita ofensas em sorrisos falsos
Dilacera rostos em ondas
Do mais puro ódio

Eles sentem. Encolhem-se de dor
Seus alvos mudos.

Mundos


Difícil compreender o espaço do outro. Complicado demais trazer na pele, na carne e nos ossos a real compreensão de que todos somos mundos, pequenos universos individuais que apenas se esbarram vez por outra. Às vezes, de tal choque esses mundos se ligam e seguem juntos por certo tempo. Mas nunca serão unos, jamais uma só natureza e atmosfera. Talvez a fauna e a flora se misturem e encontrem elementos iguais que irão se fundir e crescer, transmutar e criar híbridos poderosos. Mas sempre haverá florestas mais sombrias.  Monstros escondidos em cavernas esquecidas. E tesouros jamais descobertos.
Somos mundos e jamais podemos esquecer ou tentar dominar a individualidade do outro, aniquilando-a. Se sábios, iremos nos dotar da coragem necessária para explorar, por quanto tempo seja necessário, indo tão longe quando possamos ousar ir, no mundo do outro. Descobrindo paisagens, vales e oceanos coloridos, nos deslumbrando e surpreendendo com um desconhecido encantador.
Na maior parte do tempo, nos enlevamos, mas às vezes tal viagem desbravadora é perigosa, com armadilhas cruéis colocando a prova nossa determinação. Não devemos, entretanto, nos intimidar. Se válido, sigamos ainda mais um pouco e um pouco mais adiante, mais profundamente. Sigamos enquanto houver magia, entrelaçando mundos.


17 de abril,2012.

Mácula


Quando a tristeza preencher
Silenciosamente
O vazio de meus passos
Não haverá sequer a memória
De minhas melodias tristonhas.

Quando a perfídia das palavras
Não ditas
Envenenar a doçura de nossos dias
Haverá sombras e trevas
Em vez de riso.

Acalento a hora que passa
Docemente
Fiel e viva, sem máculas visíveis.
Manchas sangrentas
Pulsantes
Por baixo do branco linho.

La dolor



La dolor que siento no es una extraña
La siento como una vieja compañera
Ella viene y acaricia mis manos
Mi pelo
Me llevas en sus brazos en un abrazo apretado.
Y mi pecho se comprime y se humedecen mis ojos


Y me siento morir.

Inverno


O inverno, para quem não tem exatamente um inverno que nem no Nordeste, se caracteriza, para mim, por nuances muito típicas. Tem seus cheiros próprios, suas sombras, trejeitos e sabores, carregados carinhosamente na memória. Meu inverno tinha jeito de água da chuva carregando a havaiana quebrada que tinha colocado pra não molhar o tênis do colégio. Tem o cheiro doce de cajá madura caindo do pé junto com a chuva. Tem sombra de manguezal carregado, com a água escorrendo por entre os dedos dos pés naquele fino riacho que só existe quando a chuva cai no dia anterior. Tem manga caindo na nossa cabeça desavisada, saborosa, molhada, pedindo pra ser devorada sem pudores sociais. Inverno tem gosto de alho torrado na manteiga da terra, quentinho como o bálsamo feito do óleo dessa fritura que a mãe passava na minha garganta quando tossia demais de noite. Tem sabor, principalmente, de uma grande xícara de leite escuro, feito com açúcar queimado e salpicado de canela. Meu inverno é pura sensação de um tempo bom e belo com sabor de infância feliz.


Fortaleza, carnaval de 2012.

Espelhos


Quero sentir-me nua
Sob teu olhar em chamas,
Minhas roupas consumidas
Pelas labaredas de teu desejo
Até que nada mais reste
Nem mesmo a cinza fria.

Quero sentir-me tua
Arranca-me mais
Do que as vestes
Consome minha pele
Entre suspiros
E que eu me liquefaça
Toda em gemidos.

Fortaleza, 8 de março, 2012.

Colecionadora


Colhia memórias como quem colhe
Rosas em um canteiro bem sortido
Mas veio severo inverno
E suas preciosas memórias congelaram

E morreram.

Oblivion


Dá-me desta taça em que bebeis
Esse vinho amargo que inebria
Pois não é o rancor bebida fria
Com a qual já vos entorpeceis?

Alma a cambalear embriagada
Em baile de sombras já perdida
Foi-se toda a luz e toda a vida
Breve será a Morte saciada.

E de que me serve este viver
Se a demência já faz moradia?
E já é meu ser casa vazia
De todo e qualquer alvorecer.